Declaração de Caracas 1992 – ICOM

Tradução Maristela Braga. CCA- Museu Universitário PUCCAMP

Dentro da reflexão sobre a missão do Museu no mundo contemporâneo propiciada pela UNESCO, pelo Escritório Regional de Cultura para América Latina e Caribe (ORCALC), e pelo Comité venezuelano do Conselho Internacional de Museu (ICOM), com o apoio do Conselho Nacional da Cultura (CONAC) e da Fundação do Museu de Belas Artes da Venezuela, realizou-se o Seminário “A Missão dos Museus na América Latina Hoje: Novos Desafios”, celebrado em Caracas, Venezuela, entre os dias 16 de janeiro e 06 de fevereiro de 1992.

Tal Seminário, inscrito no Programa Regular de Cultura da UNESCO para a América Latina, reuniu um seleto grupo de personalidades vinculadas a funções diretivas em museus de diversos países latinoamericanos, que refletiu sobre a missão atual do museu, como um dos principais agentes do desenvolvimento integral da região.

Em tomo deste tema chave, em que está implícita a consciência da proximidade do século XX1, discutiu-se uma série, de aspetos, entre os quais cabe destacar:

  • A inserção de políticas museológicas nos planos do sector de cultura.
  • Tomada de consciência do poder decisivo que esta tem para o desenvolvimento dos povos.
  • Reflexão sobre a ação social do museu. Análise das proposições teóricas em torno dos museus dofuturo.
  • Estratégias efetivas para captação o controle dos recursos financeiros.
  • Suportes legais e inovações de organização dos museus.
  • O perfil dos profissionais para as instituições musco1ógicas.
  • O museu como inicio de comunicação.

A metodologia do Seminário se ajustou às recomendações propostas pela UNESCO e pelo ICOM, relativas às atividades de treinamento para o desenvolvimento e promoção dos museus (ref. 89/séc. 17).

Em consequência, o temário se organizou em três módulos ao longo dos quais se integraram diversas atividades: palestras magistrais, fóruns painelísticos, reuniões e mesas de trabalho, exposições de casos, apresentação de documentos de análise, visitas a museus e discussões plenárias.

No desenvolvimento deste evento foram tratados numerosos aspetos, alguns dos quais foram analisados com especial ênfase, visto que durante as sessões, ficou evidenciada a singular relevância de sua relação com o desempenho dos museus, que são: Museus e Comunicação, Museus c Gestão, Museus e Liderança, Museus e Recursos Humanos e finalmente Museus e Património.

No Seminário estiveram presentes delegados da Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Cuba, Chile, Equador, México, Nicarágua, Peru e Venezuela, além da participação do arquiteto Hernan Crespo Toral, Diretor do Escritório Regional de Cultura para América Latina e Caribe da UNESCO (ORCALC), do Dr. Hugues de Varine Bohan e da arquiteta Yanni Herreman, como conferencistas internacionais, e também de importantes conferencistas nacionais.

Em atenção à significativa importância do Seminário e do tema tratado, os participantes do mesmo concordaram em emitir o presente documento, no qual se reúnem as considerações e recomendações aprovadas por unanimidade.

Antecedentes

Há 20 anos se realizava em Santiago do Chile a “Mesa-Redonda sobre o desenvolvimento” e o papel dos museus no mundo contemporâneo”. Essa reflexão foi o fundamento para o novo enfoque na ação dos museus na região.

Entre seus postulados, estava a construção do Museu Integral, destinado a “situar o público dentro do seu mundo, para que tome consciência de sua problemática como homem-indivíduo e homem-social”.

Ao cabo de duas décadas e à luz dos acontecimentos políticos, sociais e económicos que se sucederam nos países latino-americanos, se constata ainda a vigência dos postulados essenciais da “Mesa-Redonda de Santiago”.

Muitas são as realizações da América Latina nestas duas décadas no campo dos museus. Experiências valiosas, administradas pelo Estado, pela sociedade civil e por pessoas particulares que trataram, em numerosos casos, com êxito, de transformar o museu em um organismo vital para a comunidade e no instrumento eficaz para seu desenvolvimento integral.

Organismos internacionais de cooperação como a UNESCO contribuíram com o Estado para desenvolver valiosas iniciativas através de seus organismos regionais, para aperfeiçoar as tarefas do museu mediante  a capacitação do seu pessoal e as ações que são próprias, e na criação de uma consciência pública sobre a defesa do património cultural e natural de nossos povos.

A nova era em que nos encontramos, e sua multifacetada problemática requerem uma nova reflexão e ações imediatas e adequadas para que o museu cumpra com sua ação social.

Vinte anos depois da reunião de Santiago do Chile, devemos atualizar os conceitos e renovar os compromissos adquiridos naquela oportunidade. Com este espírito e convencidos de que o museu tem um importante papel no desenvolvimento integral da América Latina, resolvemos emitir a presente:

Declaração de Caracas

  1. América Latina e o museu

Já entramos em um novo século: a história se acelera. Velhos dogmas que pareciam imutáveis caem, e com eles os muros que marcavam fronteiras ideológicas e políticas.

Ao finalizar a guerra fria, a humanidade parecia disposta a construir uma paz duradoura. Entretanto, os fatos nos demonstram que esse momento ainda não chegou; se aprofunda a brecha entre os países do primeiro mundo e os outros, os chamados em desenvolvimento. Neste processo se constata o velho desejo do homem em afirmar sua identidade, que o identifica como pessoa humana única e como integrante de uma comunidade ligada por uma maneira de ser e por anseios compartidos.

O chamado processo de globalização não traz a igualdade dos povos. Pelo contrário, se formam poderosos blocos económicos que acrescentam diferenças entre ricos e pobres.

Somos testemunhas de um desenvolvimento extraordinário da ciência e da tecnologia: o homem se empenha na conquista do universo e investiga detidamente os microcosmos, e até é capaz de alterar os processos da natureza. A biotecnologia e a biogenética abrem imensas possibilidades de melhoras na qualidade de vida, mas ao mesmo tempo abrem insondáveis abismos. O homem manipula a tecnologia em busca de bem estar, mas em muitos casos a tecnologia o avassala. Essa mesma tecnologia lhe serviu para atentar contra a natureza, produzindo tremendos desequilíbrios que inclusive ameaçam sua sobrevivência.

Estamos na época da comunicação. Reduziram-se sensivelmente as distâncias. Por um processo quase milagroso podemos saber o que se passa com nossos antípodas. Entretanto, esse mesmo milagre tecnológico é capaz de estandardizar o homem e homogeneizar sua cultura mediante a difusão de paradigmas, quando não de desvirtuar a essência dos povos com a propagação de anti valores.

A América Latina vive um momento crucial de sua história. As esperanças que se haviam desenvolvido com base nos modelos económicos e tecnicistas dos anos 70 sofreram um rotundo fracasso, pois não correspondiam a sua realidade sociocultural existente. Devido às políticas de endividamento agressivo, nossos povos sofreram as chamadas políticas de ajustes, que trouxeram consigo um empobrecimento generalizado, cujas consequências se prolongaram além da chamada “década perdida”. O nível de vida desceu sensivelmente: hoje, entre 46 e 60% de nossa população se encontra nos limites da pobreza crítica.

A dívida externa da América Latina, que é superior a quarenta bilhões de dólares, implica que cada ano exportemos mais de 30 milhões de dólares, unicamente por seu serviço. Paradoxalmente, nos convertemos de recetores em puros exportadores de capital para os países desenvolvidos, o que toma mais profunda nossa dependência.

Intimamente ligada à parte económica vemos um deterioramento dos valores morais: a corrupção se generalizou, hoje nos açoitam o tráfico de drogas e a lavagem de dólares. Parece que se institucionalizou uma cultura da violência, que não só atenta contra o homem, mas também contra a natureza. A exploração indiscriminada dos recursos naturais e a contaminação ambiental a que se soma um processo de urbanização descontrolada – fruto das imensas migrações de camponeses que procuram as cidades, e um desmedido afã de lucro – a América Latina afronta também uma crise educativa devido à mediocrização do ensino, aos sistemas obsoletos e à adoção de modelos estranhos à realidade. Enfim, uma crise política que põe em risco a democracia, depois de ter sido alcançada com tanto esforço em quase toda a América Latina.

Também a cultura tem sido afetada pela crise: todos os fenómenos a que fizemos alusão incidiram em um processo de perda de valores, não só no que é tangível, mas também no mais íntimo e definidor dos nossos povos.

É lamentável a carência de uma política cultural coerente que transcenda a temporalidade e garanta a continuidade das ações. Por outro lado, a tendência que prevalece no momento atual, à privatização e a confiar à sociedade civil responsabilidades que normalmente cabiam ao Estado, pode acarretar riscos em relação ao património cultural. O Estado não pode abandonar totalmente seu papel de gerenciador do acervo patrimonial de nossos povos, e deve contribuir para garantir sua conservação e integridade como o organismo mais idóneo.

Apesar de todos estes fatores negativos, a América Latina alenta uma firme esperança: é depositária de um enorme acervo de riqueza humana, estendida em um vasto território com imensos cursos naturais e variados ecossistemas, que garantem um justo equilíbrio de imprescindível valor universal.

A cultura que nos caracteriza – una e plural – foi se desenvolvendo por milénios; é produto da simbiose do indígena, do ibérico, do africano, do europeu e do asiático. Suas expressões materiais vão desde as antigas cidades indígenas, declaradas pela UNESCO como património da humanidade, e o imenso acervo dos bens móveis que se encontram nos museus e em mãos particulares, até as numerosas culturas populares e a tradição oral, ainda em plena vigência.

É este, portanto, um momento de afirmação do ser latino-americano e de seu destino, quando existe a decisão política de cristalizar a integração – esse velho anseio de Simón Bolívar – como o demonstra a reunião de Presidentes e Chefes de Estado, de Guadalajara, em julho de 1991. Nesta ocasião se reconheceu que a cultura é o fundamento da integração latino-americana e as identidades culturais, sua riqueza mais valorizada.

A cultura parece também alentar processos que adquirem cada vez maior força: a consciência do particular, do local, em uma espécie de contrapartida à globalização. Sua luta para conseguir uma equidade na descentralização dos recursos que garantam o desenvolvimento dos próprios.

Com estes antecedentes podemos afirmar que o museu tem uma missão transcendental a cumprir hoje na América Latina. Deve constituir-se em instrumento eficaz para o fortalecimento da identidade cultural de nossos povos, e para seu conhecimento mútuo, – fundamento da integração – tem também um papel essencial no processo de desmistificação da tecnologia, para sua assimilação no desenvolvimento integral de nossos povos. Por fim, um papel imprescindível para a tomada de consciência da preservação do meio ambiente, onde o homem, natureza e cultura formam um conjunto harmónico e indivisível.

1.1. Museu Hoje: Novos desafios

A partir do reconhecimento da profunda crise social, política, económica e ambiental que atravessa a América Latina, os participantes do Seminário consideram esta como a ocasião inadiável para examinar os novos desafios do museu hoje, e para postular ações para enfrentá-los. Depois das análises efetuadas no transcurso deste Seminário, seus participantes determinaram os seguintes aspetos como prioritários:

  • Museu e Comunicação
  • Museu e Património
  • Museu e Liderança
  • Museu e Gestão
  • Museu e Recursos Humanos

O estudo da cada um destes temas vai precedido de uma introdução, e contém as considerações e recomendações dos participantes do Seminário nos seguintes termos:

  1. Museu e Comunicação

A função museológica é, fundamentalmente, um processo de comunicação que explica e orienta as atividades específicas do Museu, tais como a coleção, conservação e exibição do património cultural e natural. Isto significa que os museus não são somente fontes de informação ou instrumentos de educação, mas espaços e meios de comunicação que servem ao estabelecimento da interação da comunidade com o processo e com os produtos culturais É necessário definir a natureza específica do “meio” MUSEU, tendo em conta, que sua forma tradicional, ainda dominante na América Latina, não responde às mudanças ocorridas no mundo contemporâneo.

2.1. Considerando

Que o museu como um meio de comunicação transmite mensagens através da linguagem específica das exposições, na articulação de objetos-signos, de significados, ideias e emoções, produzindo discursos sobre a cultura, a vida e a natureza; que esta linguagem não é verbal, mas ampla e total, mais próxima da perceção da realidade e das capacidades percetivas de todos os indivíduos; que como signos da linguagem museológica, os objetos não têm valor em si mesmos, mas representam valores e significados nas diferentes linguagens culturais em que se encontram imersos;

Que o museu deve refletir as diferentes linguagens culturais em sua ação comunicadora, permitindo a emissão e a receção de mensagens com base nos códigos comuns entre a instituições e seu público, acessíveis e reconhecíveis pela maioria;

Que o processo de comunicação não é unidirecional, mas um processo interativo, um diálogo permanente entre emissores e recetores, que contribui para o desenvolvimento e o enriquecimento mútuo, e evita a possibilidade de manipulação ou imposição de valores e sistemas de qualquer tipo;

Que os modelos tradicionais da linguagem expositiva privilegiam em seus discursos as perspetivas científicas e académicas das disciplinas correspondentes à natureza de suas coleções, usando códigos alheios à maioria do público;

Que na América Latina os museus, geralmente, não são conscientes da potencialidade de sua linguagem o de seus recursos de comunicação, e muitos não conhecem as motivações, interesses e necessidades da comunidade em que estão inseridos, nem seus códigos de valores e significados;

Que o museu é um importante instrumento no processo de educação permanente do indivíduo, contribuindo para o desenvolvimento de sua inteligência e capacidades crítica e cognitiva, assim como para o desenvolvimento da comunidade, fortalecendo sua identidade, consciência crítica e autoestima, e enriquecendo a qualidade de vida individual e coletiva;

Que não pode existir um museu integral, ou integrado na comunidade se o discurso museológico não utilizar uma linguagem aberta, democrática e participativa.

2.2. Recomendam

Que o museu busque a participação plena de sua função museológica e comunicativa, como espaço de relação dos indivíduos e das comunidades com seu património, e como elos de integração social, tendo em conta em seus discursos e linguagens expositivas os diferentes códigos culturais das comunidades que produziram e usaram os bens culturais, permitindo seu reconhecimento e sua valorização;

Que se desenvolva a especificidade comunicacional da linguagem museológica, possibilitando e promovendo o diálogo ativo do indivíduo com os objetos e com as mensagens culturais, através do uso de códigos comuns e acessíveis ao público, e da linguagem interdisciplinar que permite recolocar o objeto em um contexto mais amplo de significações;

Que o museu oriente seu discurso para o presente, enfocando o significado dos objetos na cultura e na sociedade contemporânea e não somente em como e por que se constituíram em produtos culturais no passado; neste sentido o processo interessa mais que o produto;

Que se levem em conta os diferentes modos e níveis de leitura dos discursos expositivos por parte dos múltiplos sectores do público, buscando novas formas de diálogo, tanto no processo cognitivo como no aspeto emocional e afetivo de apropriação e, internalização de valores e bens culturais;

Que se desenvolvam investigações mais profundas e amplas sobre a comunidade em que está inserido o museu, buscando nela a fonte de conhecimento para a compreensão de seu processo cultural e social, envolvendo-a nos processos e atividades museológicas, desde as investigações e coleta dos elementos significativos em seu contexto, até sua preservação e exposição;

Que se aproveitem os ensinamentos que oferecem os meios de comunicação de massas, com sua linguagem dinâmica e contemporânea, propondo-se ao mesmo tempo os museus como alternativas a esses meios, como espaço de reflexão crítica da realidade contemporânea que possibilite estimule as vivências mais profundas do homem em sua integridade;

Que o museu contribua para a capacitação permanente dos indivíduos e comunidades no uso dos meios tecnológicos, dos processos e dos instrumentos científicos, desmistificando-os em benefício do desenvolvimento individual e social;

Que se valorize constantemente a comunicabilidade dos discursos e sistemas expositivos, buscando novas formas e parâmetros de análise que ultrapassem a perspetiva simplista e quantitativa de medidas de comportamento e reações no espaço da exposição, ou seja, da absorção de informações; e

Que se busque sua forma de ação integral e social por meio de uma linguagem aberta, democrática e participativa que possibilite o desenvolvimento e o enriquecimento do indivíduo e da comunidade

  1. Museu Património,

museu é a instituição idónea para resgatar o património, estudá-lo, documentá-lo e difundi-lo através de uma mensagem coerente, que se apoie nos objetos como forma essencial de comunicação.

Entende-se por património cultural de uma nação, de uma região ou de uma comunidade aquelas expressões materiais e espirituais que as caracterizam.

3.1. Considerando

A importância de se contar com um marco jurídico que normalize, em nível nacional, a proteção do património;

Que tradicionalmente foram usados critérios restritos na valorização dos objetos que constituem o património do museu, valendo-se somente daqueles representativos das disciplinas académicas, de “importância histórica” e “excecionais” por sua natureza, excluindo determinadas formas de expressão cultural igualmente valiosas e importantes;

Que a existência de problemas de conservação nos museus, originados por carência de recursos, más condições de armazenagem e instalações inadequadas, contribuem para o deterioramento e perda do património;

Que não existe uma correta organização do inventário em muitos de nossos museus, e inclusive algumas vezes as instituições carecem do mais insignificante controle de sua coleções;

Que a atual tendência da América Latina para a privatização de empresas estatais que formaram coleções patrimoniais de valor nacional, constitui uma ameaça a sua segurança e integridade; e,

Que existe um valioso acervo de bens culturais em mãos da sociedade civil e uma preocupação crescente pela sua conservação.

3.2. Recomendam

Que se promova a atualização e instrumentalização efetiva da legislação especialmente dirigida à conservação e à proteção do património cultural e natural, que garanta o controle sobre sua integridade, evitando sua possível dispersão, desaparecimento ou destruição;

Que se valorizem o entorno e sua contextualização como critérios de partida na formação das coleções, atendendo a seu valor referencial c sem discriminar nenhum objeto ou disciplina;

Que se reformulam as políticas de formação de coleções, de conservação, do investigação, de educação e de comunicação, em função do estabelecimento de uma relação mais significativa com a comunidade na qual o museu desenvolve suas atividades;

Que se hierarquize no museu. no que concerne, à conservação do património, aproveitando-se ao máximo os recursos humanos materiais e físicos destinados a estes fins;

Que se estabeleçam sistemas de inventário, que levem à automatização dos dados básicos das peças, com o fim de estabelecer seu controle a nível do museu e das instâncias a que corresponda;

Que se promova, por parte dos museus, um trabalho de aproximação com as instituições colecionadores particulares, com o fim de conhecer e documentar a existência deste património e contribuir para sua preservação e integridade;

Que se desenvolvam mecanismos de relação, apoio e estímulo à sociedade civil em seu interesse de conservar o património;

Que o Estado não descuide de seu papel de guardião do património e garanta a sua conservação e integridade, em vista das novas responsabilidades que vai assumindo a sociedade civil e a empresa privada;

Que os museus organizem estratégias que permitam desenvolver a participação da comunidade na valorização e proteção de seu património;

Que o museu incentive a investigação desenvolvida pela comunidade para o reconhecimento de seus próprios valores,

  1. Museu e Liderança

No marco da realidade latino-americana, abre-se ao museu a possibilidade de um, grande espaço de atuação: o resgate da função social do património como expressão da comunidade e da cultura, entendida esta como o conhecimento integral do homem em seu quotidiano.

Esta conjuntura confere ao museu um papel protagónico, pois se apresenta como uma oportunidade de participar ativamente no processo de recuperação e socialização dos valores de cada comunidade, para o qual o museu deve se preparar devidamente.

  1. 1. Considerando

Que o museu é um espaço adequado para que a comunidade possa se expressar,

Que os museus necessitam definir seu próprio espaço social para cumprir sua missão; e,

Que o museu pode atuar como catalisador das relações entre a comunidade e as diferentes instâncias e autoridades públicas c privadas;

4.2. Recomendam

Que cada museu, tenha clara consciência da realidade socioeconómica a que pertence, tendo em conta os índices de “desenvolvimento humano”, a definição de suas metas, e de sua ação, e a preparação do seu pessoal;

Que o museu propicie a ativação da consciência crítica da comunidade através de novas leituras do património;

Que o museu assuma sua responsabilidade como gestor social, mediante propostas museológicas que contemplem os interesses do seu público, e que reflitam, através das exposições, uma linguagem comprometida com a realidade como única possibilidade para transformá-la; e,

Que os museus especializados assumam seu papel de liderança nas áreas temáticas que lhes são próprias, e que contribuam para desenvolver uma consciência crítica de seu público.

  1. Museu e Gestão

desenvolvimento da potencialidade do Museu está em relação direta com a sua capacidade de gerar e administrar eficientemente seus recursos e de sua eficácia na materialização de seus objetivos.

A situação crítica atual da América Latina e o papel protagónico do museu como fator de mudança, merece a inovação e consolidação de modernas estratégias de gestão, entendendo esta como o aproveitamento otimizado dos recursos humanos, técnicos e financeiros, com os que conta o Museu.

5.1. Considerando

Que um museu tem determinada uma missão transcendental e única que exige dele conhecer as respostas às perguntas chaves tais como: para que existe? o que procura? para quem trabalha? Com quem? quando? e como?

Que as debilidades da instituição se refletem em pressupostos deficitários, descontinuidade administrativa e programática, falta de reconhecimento social e de estímulos económicos a seus funcionários, além de não dispor de suficientes recursos técnicos e materiais de acordo com sua complexa atividade;

Que a falta de gerência eficiente e autonomia de gestão afetam, o desenvolvimento normal do trabalho do museu da América Latina;

Que o apoio da opinião pública, o reconhecimento do sector político e a existência de legislação e políticas de apoio à instituição são fatores que facilitam a gestão do mesmo;

Que a empresa privada reconheceu o valor estratégico – como imagem corporativa – da inversão no âmbito cultural e em particular nas instituições museológicas

5.2. Recomendam

Que o museu defina claramente a missão que lhe compete na sociedade à qual serve.

Que o museu defina a estrutura organizativa de acordo com seus requerimentos funcionais, delineada segundo as conceções gerenciais aplicáveis a casos particulares, e que se estabeleçam mecanismos de avaliação permanente;

Que os planos e programas elaborados com instrumentos de planeamento moderno estejam baseados em um diagnóstico das necessidades do museu e da sociedade na qual está imerso, e que a realização de tais planos e programas leve em conta as necessidades prioritárias do museu e defina objetivos e metas a longo, médio e curto prazo;

Que o museu em sua necessidade de gerar recursos determine políticas claras de autofinanciamento, e que também recorra a organismos nacionais e internacionais, públicos e privados que lhe permitam executar projetos;

Que se elabore projetos atrativos para as empresas privadas interessadas em investir no sector, cultural, sem alterar a missão do museu;

Que se promovam políticas culturais coerentes e estáveis que garantam a continuidade da gestão do museu;

Que se consiga uma boa comunicação com os sectores do poder da sociedade, com a finalidade de obter apoio para a gestão do museu;

Que se utilizem estratégias tanto de mercado – para conhecer o usuário – como também de sensibilização de opinião pública;

Que se implementem cursos internacionais de capacitação em gestão de museus;

Que se tomem em conta os princípios éticos que devem guiar sempre a gestão dos museus.

  1. Museu e Recursos Humanos

A profissionalização do funcionário de museus é uma prioridade que esta instituição deve encarar, como premissa para contribuir para o desenvolvimento integral dos povos. Sua formação deve capacitá-lo para desempenhar a tarefa interdisciplinar própria do museu atual, ao mesmo tempo que lhe conceda os elementos indispensáveis para exercer uma liderança social, uma gerência eficiente com uma comunicação adequada.

6.1. Considerando

Que o museu, na América Latina é uma instituição social cuja especificidade exige dele recursos humanos capacitados, que permitam ao museu valorizar c desenvolver seu potencial;

Que o funcionário de museus tem uma formação heterogénea com fortes desníveis;

Que na América Latina a experiência é um fator importante na capacitação de funcionários de Museus para suprir, em grande parte a dificuldade de aquisição de uma formação académica;

Que a função do museólogo não foi ainda totalmente reconhecida como o especialista indispensável para o cumprimento da missão do museu; e

Que se faz necessária a organização de cursos, ateliers e seminários para a atualização de conhecimentos dos funcionários de museus, não só no que diz respeito às suas diferentes especialidades, mas também em relação à visão interdisciplinar que o museu deve ter.

6.2. Recomendam

Que os museus priorizem e sistematizem a realização de programas de capacitação de recursos humanos;

Que se estabeleçam parâmetros para o reconhecimento social, para a colocação profissional, para a remuneração económica dos funcionários de museus, de acordo com sua formação e experiência;

Que se desenvolvam programas de formação que capacitem o museólogo para detetar valorizar e dar respostas adequadas às necessidades das comunidades,

Que se valorize o papel que o museólogo desempenha, garantindo as oportunidades de participação, formação, estabilidade e remuneração de acordo com seu nível de especialização; e ,

Que se promova uma maior e mais estreita relação com o ICOM através do Comité Internacional de Formação de Pessoal, com o fim de obter seu apoio.

  1. Novos Desafios

O museu da América Latina deve responder aos desafios que lhe impõe hoje o meio social no qual está inserido, a comunidade a que pertence e o público com que se comunica. Para enfrentá-lo é necessário:

  1. Desenvolver sua qualidade como espaço de relação entre os indivíduos o seu património, onde se propicia o reconhecimento coletivo e se estimula a consciência crítica.
  2. Abrir caminhos de relação entre o museu e os dirigentes políticos para sua compreensão e compromisso com a ação do museu.
  3. Desenvolver a especificidade da linguagem museológica como mensagem aberta, democrática e participativa.
  4. Refletir as diferentes linguagens culturais com base em códigos comuns, acessíveis o reconhecíveis pela maioria.
  5. Revisar o conceito tradicional de património museal a partir de uma nova perspetiva, onde o entorno seja ponto de partida e de referência obrigatória.
  6. Adotar o inventário como instrumento básico para a gestão do património.
  7. Lutar pela valorização social do funcionário de museus em termos de reconhecimento, estabilidade e remuneração.
  8. Priorizar na instituição museológica a formação profissional integral do funcionário de museus.
  9. Estabelecer mecanismos de administração e captação de recursos como base para uma gerência eficaz.

Conclusão

O propósito do Seminário “A Missão do Museu na América Latina hoje: Novos Desafios” nos conduz a refletir sobre a vinculação entre o museu e seu entorno social, político, económico e ambiental, com resultados alentadores. A nova dimensão do museu na América Latina é a de ser protagonista de seu tempo.

Esta função convoca em primeiro lugar os trabalhadores do museu, e em particular seus diretores, que devem assumir a dinâmica da mudança e preparar-se para enfrentar com êxito esta transcendente oportunidade. Este novo enfoque envolve, por igual, as instâncias de poder, em especial o poder político, cuja decisão facilitará o cumprimento desta nova missão do museu.

Há vinte anos da “Mesa-Redonda de Santiago do Chile”, e ante a proximidade de um novo milénio, o museu se apresenta na América Latina não só como instituição idónea para valorização do património, mas, além disso, como instrumento útil para conseguir um desenvolvimento equilibrado e um maior bem-estar coletivo.

Com a satisfação do sucesso alcançado e animados pelo espírito de solidariedade e irmandade latino americana, assinamos o compromisso de transmitir e materializar as decisões tomadas nesta reunião.

Em Caracas, aos cinco dias de fevereiro de mil novecentos e noventa e dois, subscrevem a presente declaração:

Argentina NeIly Decarolis, Bolívia Norma Campos Vera ,Brasil Maria de Lourdes Parreiras Horta, Chile, Daniel Quirroz Larrea, Colômbia Leonor, Carriazo Castelbondo, Cuba Moraima Clavijo Colom, José Antonio Navarrete, Equador Patrícia Von Buchwald, México Laura Orceguera, Nicarágua Carmen Sotomayor Rocha, Peru Luísa Fiocco, Venezuela Lina Vengochea, Rafael Principal T., Gerardo García, Ana Maria Reyes, Luisa Rodrigues Marrufo, Mirian Robles, Julga Uzcátegui, Ciro Cabalio Peffichi, Mélida Mago, Hemán Crespo Toral, Diretor da ORCALC, Yanni Herreman, Presidente ICOM México, Milagros Góniez de Blavia, Coordenação Geral Presidente ICOM Venezuela, Maria Ismênia Toledo, Secretária Técnica